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«Adoptar uma só máscara? Eu acho que isso não deve ser o
ideal. Porque o ideal é ir na corrente do rio, bem alegre, bem divertido com o
rio, pronto para ir para todos os lugares aonde ele levar, porque acho que
todas as pessoas que têm um ideal, de certo modo estão presas por esse ideal. (…)
Claro que é impossível ter por ideal o não ter ideal, é qualquer coisa de impossível
para nós e é muito bom que o homem saiba, que cada um saiba, que há uma série
de coisas que são efectivamente impossíveis para ele, mas que sabendo que são impossíveis,
possa tentar o que é impossível, apenas porque ele é ilimitado, porque é um
reflexo muito ténue, uma centelhazinha muito distante daquilo ou daquele de que
ele é imagem. Digo de propósito daquele ou daquilo, para dizer que dou
perfeitamente como possível que nenhum homem, nenhum pensamento personalize o
aquilo, porque talvez o personalizar o aquilo é já pô-lo não como nós sermos a
imagem e criação dele, mas como sendo ele a imagem e criação nossa.(…)
Então acho que só nos podemos soltar disso, começando a
amar, querer o imprevisível. Porque se o quisermos, estamos na posição de
termos ao mesmo tempo um ideal – o imprevisível – e de não ter ideal nenhum,
porque ele é o imprevisível.»
[de Vida Conversável, págs. 29/30 – Agostinho da Silva]
[imagem: 05.2012 - Minolta Dimage Z3]
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