.
«Depois abriu a cristaleira e tirou os vidros todos cá para fora. Lavou e limpou copo por copo, olhando-se através da transparência. Muitos deles nunca tinham servido. Anos e anos ali dentro da cristaleira, alinhados nas prateleiras, passando de avó para mãe e da mãe para ela, sempre com a mesma recomendação: «cuidado, é cristal, e o cristal é muito frágil!». Lembra-se de há muitos anos, ela ainda era tão criança!, ter pedido à mãe para pôr os copos na mesa, de um dia em que havia festa, qual festa é que já não se recorda. Mas a mãe voltou a dizer: «o cristal é muito frágil, por isso estes copos não são para andar a uso». Engraçado. O cuidado que se tem com os objectos, com os copos de cristal, por exemplo, porque são frágeis, podem quebrar-se. E o pouco cuidado que se tem com as pessoas. Nunca se lembra de ter ouvido alguém dizer: «cuidado, é uma pessoa, e as pessoas são muito frágeis, e não podem andar a uso».»
em Às Dez a Porta Fecha, Alice Vieira
[imagem: 2012, Minolta Dimage Z3]
.